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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nietzsche e Marx

              Olá, novamente. Este próximo escrito é um ensaio dialógico entre os pensamentos de Nietzsche e Marx. Posto ele aqui para pensarmos um pouco a cerca dos conhecimentos que estes pensadores nos deixaram e que podem nos servir de ferramentas para recriarmos as nossas realidades pessoais e sociais. Ele foi fruto de conversas e debates com amigos: especialmente Gabriel Bragança, um amigo de todas as horas e coca-colas! Este ensaio foi meu trabalho final de Teoria Política. Não postei todo texto. Aos poucos selecionarei e editarei algumas partes dele para então postá-lo aqui. Espero que aproveitem a leitura e levem algo dela! Vamos lá:


             Nietzsche, Freud e Marx foram os três pensadores que em muito contribuíram com o fim das certezas estabelecidas pela modernidade. No pensamento destes três gênios, homens e mulheres se tornam pequenos à medida que percebem que não controlam completamente suas ações, que mesmo o seu “Eu” depende de inúmeras forças que não controla. Antes o homem se via como centro do universo e, na caminhada do século XIX para o século XX, se vê limitado pelas condições materiais, guiado por impulsos inconscientes quase incontroláveis e construído por “Vontades de Potência”, forças que compõe tudo que existe, mas que são livres e independentes dos interesses individuais. Neste momento o homem se engrandece, pois percebendo seu real tamanho se vê motivado à mudança, a mudança não é simplesmente uma vontade, mas uma necessidade. Freud, Nietzsche e Marx estabelecem as bases dessa mudança, quer seja no plano das ações individuais (Nietzsche), quer no plano psicológico (Freud) ou social (Marx). Aliás, como muitos discípulos de um deles perceberam, a mudança deve ocorrer dentro dessas três perspectivas, caso contrário não seria uma mudança real.
            Mas embora toda essa importante contribuição, os três autores não chegaram a dialogar e, como diria Nietzsche, a promover encontros positivos que chegassem a resultar numa recomposição nova e revigorada das forças. A este papel couberam seus seguidores. Neste sentido, há amplos diálogos entre o Freudianismo e o Marxismo, o que já se constituiu como uma importante corrente da esquerda, e até mesmo entre as correntes Freudianas e Nietzschianas. Mas um diálogo entre o Marxismo e o pensamento de Nietzsche, se existe, me parece estar ainda numa fase embrionária. O que pretendo aqui é propiciar o encontro e debate destes pensamentos, que de tão ricos talvez seja impossível compreendê-los neste curto espaço, e, num outro momento, articulá-los com o campo da educação, campo importante tanto para um quanto para outro.
             O primeiro ponto de articulação entre o pensamento de Nietzsche e Marx é a crítica a passividade, ao pensamento conservador. Tanto para Marx quanto para Nietzsche o pensamento deve ser sempre questionador, reflexivo e analisar toda a realidade para criticá-la. Antonio Gramsci (1891/1937), marxista italiano, postula que o proletariado deve se elevar ao nível de intelectual o que significa, para ele, se elevar a condição de filósofo que deixa de receber passivamente as influências das classes dominantes e mesmo do senso comum, da religião e da linguagem para construir sua própria subjetividade, sua própria concepção de mundo. Este processo para o marxismo é um processo social. Nietzsche, por outro lado, se posicionou por essa elevação, mas, diferente de Marx, vê nela um movimento individual. Mas até que ponto os dois não estão relacionados? Marx vê na transição da sociedade capitalista para a sociedade comunista a formação de um novo homem, Gramsci explica que essa criação de um novo homem, de um novo eu, começa antes das transformações sociais, e é pressuposto básico às transformações sociais. Neste sentido, Gramsci vai de encontro ao pensamento de Nietzsche.
            Mas porque o homem, embrenhado no senso comum, se mantém passivo? Porque não reflete e não cria a realidade? Aliás, e formulando melhor a questão: porque a nossa sociedade é uma sociedade gregária que atua contra a subjetividade? Essas questões, sempre presentes no pensamento de Nietzsche só podem ser explicadas pelo pensamento crítico de Marx. Para Marx a ideologia dominante, a concepção e visão de mundo dominante na sociedade, é sempre a ideologia da classe hegemônica. Quando uma classe dominante se eleva a essa condição cria o que Gramsci chama de “Estrutura Ideológica formada por diversos Aparelhos de Hegemonia” (escola, igreja, arte e veículos de informação) que mantém todos os indivíduos ligados a concepção de mundo que justifica e conserva os interesses desta classe.
             A filosofia que rege a ação e, portanto, a consciência política de cada indivíduo é padronizada para atender uma lógica de dominação. Um exemplo disso é a alienação do trabalho nas sociedades onde vigora a propriedade privada dos meios de produção: nelas, havendo a apropriação individual do trabalho alheio, o trabalho torna-se externo aos homens. O homem deixa de trabalhar para viver, para ser feliz: passa a viver para trabalhar; a sua função nestas sociedades é produzir os meios materiais de satisfazer as necessidades alheias. Neste mesmo processo os trabalhadores produzem cada vez mais riqueza e “com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens.” (MARX, Karl 1844), o que significa que o mundo dos homens vai perdendo valor, o homem se torna também uma mercadoria e uma mera máquina, que não existe para si, mas para os outros numa lógica de dominação.
            Desta maneira, nestas sociedades  o pensamento, a filosofia, a crítica e a política se desvalorizam enquanto o homem vai se tornando uma espécie de robô. As críticas que Nietzsche engendra contra a sociedade de seu tempo são solucionáveis apenas pela sua transformação radical: abolição das classes sociais e do Estado para criação de uma nova sociedade onde o homem viva para ser feliz, para si, não para outros.

          Todo este raciocínio nos leva à crítica do hoje preconizada por Nietzsche. Para ele, o hoje deveria estar sempre mudando, o homem nunca deveria se acomodar no presente, o pensamento humano deveria ser perturbador, levar sempre a transformações. Como ele coloca em sua obra Assim falou Zaratustra: “o homem é um eterno vir-a-ser”. Aqui, neste ponto, há plena identidade entre o pensamento de um e de outro. O pensador marxista francês Sartre diria que o homem é um projeto. E como projeto, deve-se acrescentar que deveria sê-lo através da categoria do espírito que Nietzsche chama de “criança”, estar em constante mudança, buscando respostas para tudo: é humilde, sabe que pouco sabe, mas quer sempre saber mais. Bem marcado este ponto. Chegamos agora a uma discordância com Marx: para Nietzsche o homem deve estar sempre mudando, mas não para algo pré-fixado, deve caminhar rumo a um horizonte indefinido e, como tal, que nunca acaba. Marx, no entanto, vê a necessidade de estabelecer metas, de desenhar aonde se quer chegar. Sabe que o que seremos não é exatamente o que pensávamos que seríamos, mas nesse projeto, projeto que poderá ser construir como processo através do ser-criança – assim como coloca Nietzsche, delimitamos o que não queremos ser e norteamos o nosso progresso, isso nos impulsiona para frente.
            Penso um exemplo prático: recentemente em algumas décadas com a explosão do pensamento marxista que influenciou fortemente os movimentos políticos: muitos ao adotar uma postura radical nos termos que tratamos, favoreceram o status quo ao propor mudanças. Sem saber para o que e para aonde rumavam, afirmando apenas o que não queriam se tornar – negando o sistema hegemônico capitalista- acabaram por estagnar-se. Sua postura, muita das vezes como “portadores da verdade”, foi empecilho na comunicação com outros grupos, o que fechou o diálogo com novos adeptos, sua ausência de planos impossibilitou-os de chegar a qualquer lugar e seu individualismo extremo os fez buscar as soluções de sua vida dentro da ordem existente. Um discurso radical e uma postura conservadora, teoria e prática desassociadas.
Uma comunhão entre o pensamento de Marx e Nietzsche só é possível abandonando essa postura conservadora que leva estagnação. Devemos sim ter projetos, metas e propostas para o futuro, mas como diria Nietzsche não devemos deixar que esse projeto de futuro nos impeça de viver o presente, pois, nos termos de Marx, o futuro é uma ilusão, produto apenas do pensamento. É o presente que deve ser vivido. Pois é nele que devem estar as bases para a transformação social e individual, movimento retroalimentado, devemos perceber também que esse futuro não será exatamente igual ao que nos propomos, pois somar-se-ão a eles contribuições outras, aprendizagens novas, experiências que não podemos nem sequer sonhar, novas recomposições de “Vontades de Potência” que enriquecerão o projeto, e principalmente devemos saber que esse projeto de futuro não é um fim, apenas um novo começo. Como afirmava Marx, com o comunismo o homem saí da pré-história e começa sua verdadeira história, portanto abre um novo caminho, um novo começo com novas buscas e experiências.
Outro ponto fundamental, o qual penso existir uma possível comunicação entre os conceitos destes pensadores: a história e a natureza humana. Para Marx existe uma base material da sociedade sobre a qual se ergue uma superestrutura moral, de cunho ideológico, político e filosófico. E o que os indivíduos são depende da base material de sua existência. A superestrutura será sempre uma expressão simbólica, codificada do real, de uma realidade material concreta. Os homens, neste sentido, fazem história, mas não como querem, fazem história nas condições que herdam. Para Marx não há uma natureza humana, o homem é um sujeito histórico. Sartre diria que a existência precede a essência, o homem existe e depois se define. Nietzsche também afirma que não há natureza humana, pois para ele o homem está em constante mutação. Ao mesmo tempo Nietzsche produz uma forte crítica à história positivista, história dos nomes e datas, uma história política, mas não da política cotidiana, a dos reis e Estados. É essa história que é alvo de sua crítica. Além disso, para ele, a história não pode nos acorrentar. Isto é, significa que cada ser, ou cada povo, deve criar a sua própria história, de acordo com sua própria subjetividade.
Tanto Marx como Nietzsche criticam a mesma concepção de história. A história em Marx é a história da sociedade civil, a história dos homens reais. Essa história sim é a história que Nietzsche valoriza em seu pensamento. De certo modo, para Nietzsche, o homem também é um sujeito histórico, pois apesar de estar em constante mutação essa mutação se dá com base nas “Vontades de Potência”, forças que compõe a realidade, forças vistas como forças materiais que estão em tudo que existe. Essas forças (o próprio pensamento para Nietzsche é uma força) dialogam entre si acrescentando ou retirando energia uma das outras, compondo-se e recompondo-se. Desta forma, o próprio homem, seu pensamento, emoções e instintos, são forças. O que o indivíduo é depende do momento de sua existência, pois é na sua existência que as forças que atuam e interagem na sociedade se articulam para se chegar a ser o que se é. Penso que o Marx faz, no sentido Nietzschiano é dinamizar e até hierarquizar, de certa forma, as “Vontades de Potência” (movimento “concreto-abstrato” x “abstrato-concreto”), é dizer que as forças que compões a realidade material são as forças que compõem todos os outros aspectos da existência. As forças que compõe a arte, por exemplo, dependem das forças econômicas daquela realidade em questão. Para Nietzsche há encontros positivos em que as forças se somam e produzem novas forças e encontros negativos onde as forças se repulsam gerando absorção de energia. Neste sentido, para Marx, o homem antes de tudo precisa estar em condição de reproduzir sua existência, antes de ser artista precisa estar vivo e criar as condições para arte, por exemplo, a vida material seria a área da vida onde os encontros se dão e geram novas forças.
   Através das “Vontades de Potência”, Nietzsche nos mostra que em todas as relações há uma relação de poder, portanto de autoridade. Na família os pais exercem poder sobre os filhos, na escola o professor sobre o aluno, na igreja o pastor sobre as ovelhas, e a idéia de Deus, sobre os fiéis. Em seu artigo Sobre a Autoridade, Engels produz a mesma conclusão ao afirmar que a autoridade não pode ser abolida de um dia para o outro, pois é uma condição que a própria indústria nos impõe e, ao mesmo tempo, a democracia, por mais direta que seja, é imposição da vontade da maioria sobre a minoria. A própria revolução não pode ter como seu primeiro ato a abolição da autoridade, pois é por si mesma um ato de autoridade, traz em si uma relação de poder. Aqui a noção de Estado de Marx e Engels se relaciona com essa noção de poder em Nietzsche. Dizem eles que todo Estado é exercício do poder de uma classe com outra, sendo a revolução o momento máximo desta relação de poder, agora invertida, é por si mesma uma forma de Estado. A revolução é a produção de inúmeros encontros negativos e positivos em um mesmo processo, são as “Vontades de Potência” em seu ápice. Este momento destrói a sociedade como nós a conhecemos e os encontros negativos no âmbito social. Depois deste processo, quando acaba a revolução não há mais Estado porque não há mais relações de poder em nível social e, por isso mesmo, nesta esfera de encontros só passam existir encontros positivos, geradores de novas forças sociais positivas.
Tanto em Marx quanto em Nietzsche há uma análise lúcida da ciência, a ciência, para ambos, não é neutra, mas reproduz uma dada relação de poder que está condicionada pelos interesses dos homens que a produzem. Nos termos de Marx a ciência depende das condições materiais do momento, a filosofia que resulta na ciência é uma filosofia dominante, ligada aos interesses da classe dominante, reprodutoras de uma dada lógica. Marx critica igualmente a razão como razão lógica e contrapõe este tipo de razão como razão dialética. Nietzsche criticaria igualmente a noção de verdade absoluta. Para ele não existem verdades absolutas, talvez, em certa leitura, apenas verdades subjetivas. Assim como contrapõe a moral universal e gregária à ética pessoal, contrapõe as verdades absolutas universais e gregárias, a uma composição de verdades subjetivas e pessoais. Engels não chegaria tão afundo em sua crítica as verdades absolutas: na sua obra Anti-dhuring, afirma que não existem verdades absolutas, pois elas são históricas e sempre contestáveis. Não é que as verdades mudem, mas que o homem nunca pode dizer com certeza o que é verdade e, além disso, que nenhuma verdade é válida universalmente em todo tempo e local. No paradigma de Engels a própria verdade é devir e, por isso, seria impossível dizer o que é verdade e o que não é.
Chegamos, por fim, ao último ponto de que vamos tratar: a valorização da subjetividade. Vimos que Marx vê na transição entre o capitalismo e o socialismo a formação de um novo homem, novos valores, o que ele chama de passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade e vemos que no desenvolvimento do marxismo a construção de uma subjetividade é vista como determinante para o momento da revolução. Vimos que Nietzsche foi quem mais defendeu a construção dessa subjetividade como construção da capacidade de crítica, de questionamento como capacidade de autonomia. Neste ponto ambos se completam. Mas cabe ainda ressaltar que Marx propõe para o comunismo o que ele chama de direito desigual, um direito que não passe uma régua sobre todas as situações, que não seja uma medida equivalente para todos os casos, um direito que não veja o homem como igual, pelo contrário: um direito que releve a diferença entre os indivíduos e que garanta essa diferença, um direito como afirmação das diferenças. Penso que Nietzsche concordaria com Marx neste ponto. Mais ainda, Marx vê a revolução como revolução internacional, como unificação mundial, como momento máximo do que Nietzsche chamaria de antropofagia entre os povos.
Vemos então que Nietzsche e Marx têm mais em comum do se imagina, mais do que isso, o pensamento revolucionário e social de Marx deve complementar o pensamento transformador e individual que podemos extrair de Nietzsche. As propostas de Marx para o campo social devem complementar as propostas de Nietzsche para o campo individual e vice versa. A construção de uma nova sociedade sem classes, sem Estado, e sem uso social do poder deve ser construída a partir da valorização das diferenças, da autonomia, da construção consciente da subjetividade por sujeitos questionadores. 

Cleverson Fleming .'.

  


segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sobre as emoções...


          Sobre as emoções, o que elas representam em nossas vidas? Que poderes secretos elas possuem sobre nossas ações?  Hoje voltando da casa do meu irmão durante o caminho pensava sobre essas questões que, desde a semana do carnaval, após uma série de fatos envolvendo pessoas próximas, não querem me deixar.
          As emoções com certeza são resultado de reações químicas e um monte de processos desenrolados em nosso organismo. Movimentos que muito influem em nossos pensamentos e atitudes. A forma como nos sentimos emocionalmente pode determinar a interpretação que damos aos fatos que ocorrem a nossa volta. O desconhecimento do indivíduo a cerca de suas próprias emoções pode trazer a este a distorção da realidade em que está situado, de modo a criar uma teia de significados não condizente com os fatos.
           Acredito que isso seja uma verdade quase óbvia, mas de tão banal, naturalizada, acaba passando despercebida de nossas reflexões. As emoções possuem um poder oculto sobre o complexo orgânico chamado Homem. Poder em muito subestimado. Entretanto, basta ligar a TV para se experimentar um pouco dessas potências. As emoções respondem a estímulos de naturezas tanto interiores quanto exteriores.  Daí a grande sacada das religiões ou dos ditados populares sobre o “controle sobre as emoções”: na verdade não acredito no controle pleno das emoções, mas acredito na possibilidade de se compreendê-las e, por meio disto, direcioná-las. Também, acredito que podemos ser mais seletivos quanto aos estímulos emocionais externos – daí não assistir tanta porcaria na televisão, se desligar de encontros com desafetos etc.
          Para todo homem e mulher é importante entender suas emoções/sentimentos, isso permite certa margem de ação sobre quais estímulos mais ou menos nos afetarão. Isto é, identificar os que nos são maléficos e por isso evitáveis ou, se incontornáveis, lidar com eles de modo que nos sejam menos danosos. O conhecimento de nossas emoções/sentimentos é parte da tarefa de conhecer, assim como dos meios em que transitamos. Entender quem se é, perceber o que nos diferencia dos outros, aceitar e assumir essa diferença e não esquecer, não deixar de abraçá-la - autodeterminação é importante. Isso nos garante certa segurança ontológica, uma possibilidade de olhar e interpretar o mundo a nossa maneira e não apenas reproduzir as ideologias ensejadas pelas tecnologias de controle individuais/relacionais e sistêmicas.
          Enfim, precisava exercitar um pouco a minha escrita e, aproveitando que essas reflexões estão fritando meu cérebro no momento, resolvi exteriorizá-las aqui. J
                    
Cordialmente,
      Cleverson Fleming.