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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Sobre afetos, memórias e relações.

A afetividade é o pilar da memória. Seja a memória histórica de uma civilização, sociedade, povo, bairro ou comunidade; ela se faz no e do estar com, no apreço das pessoas e coisas de nossos entornos. Envolve um sentimento pessoal de gratidão, ou não, pelos componentes de nossas relações, constitutivas do que também chamamos "vida".
Não é, então, de se estranhar que ao estudarmos os pilares das civilizações encontremos agrupamentos de clãs e famílias (ou, se quiserem, comunidades) patri ou matrilineares, em seus princípios formadores. Para além dos laços consanguíneos - pois não é disto que se trata aqui -, as estruturas sociais que nos conservam e possibilitam o progresso são alimentadas por laços de afeto (sentimentos) - inclusive de conflito e emoções entendidas como negativas.
O afeto por algo nos faz querer conservar, manter vivo, ou mesmo transformar, se não destruir, o que não nos parece estar legal. Impressões emotivas, boas e más, deixam marcas mesmo que seus objetos de sentimento não se encontrem mais em nossos entornos. Razão disso, para bem ou mal, a memória. Aliada às ações, esta pode ser construída e evocada por palavras, imagens, cheiros, objetos etc., como que condensando impressões afetivas do passado para orientar o presente e o futuro. Daí as excelentes cunhadoras de símbolos que, ao longo da história, se tornaram as humanidades. Por meio deles, elas se recordam e, assim, amando e/ou odiando seus ancestrais, amigos ou inimigos, constroem o eterno a partir do próprio efêmero de suas existências. Ilusão? Celebração da vida? Ou anseio por continuidade?
  Algum sábio, provavelmente de origem grega, disse uma vez: a palavra nos traz a presença. E que presença seria essa, pode-se perguntar, se não a do afeto evocado pelo que mantemos em relação àquilo que desejamos materializar? Aqui, você pode estar se perguntando: mas aonde você quer chegar, com essa reflexão?
   Respondo. Naquele ponto existencial em que todos nós, de alguma forma, sentimos a necessidade de retribuir os afetos, importâncias e reconhecimentos recebidos na vida - fazer circular a breve felicidade dos afetos. Apenas um movimento de comunicar certo transbordamento ocorrido a partir de um caso vivido. 
Num dia desses, escutava duas pessoas falarem de amor. Me chamou a atenção o fato delas em certos momentos ironizarem e, em outros, se posicionarem ceticamente, reagindo aos "paulocoelhismos" (será que essa expressão ainda faz sentido?) do amor. Com a noção destacada em aspas, o amor era avaliado apenas como discurso, como se ele não dependesse das práticas ou, mais do que isso, do exercício de retorno às memórias que, por sua vez, geram novas orientações  frente aos afetos trazidos pelas relações. 
Retorno ao amor, porque ele em muito diz respeito às bases problemáticas, constitutivas, da possibilidade do viver em conjunto (relacionamentos, amizades, famílias, comunidades) - ao modo de fazer sociedade. E, isto, se conecta ao afeto e à memória. Ser afetado e deixar-se ou não afetar, ou melhor ainda, para amar e ser amado - o que privilegio aqui - é preciso lembrar. E lembrar também consiste em trabalho: reforçar a relação pela ação intermitente de recordar. 
    O tempo, a linguagem e todas as categorias pinçadas antes, só se tornaram possíveis, materializáveis, por meio da memória. O momento em que os homens passaram a conceituar a realidade só foi possível pela emergência, em conjunto, da memória das coisas que, por sua vez, favoreceu as atribuições de valores e medidas a elas. E, todo esse processo, é preciso dizer, não começou no que chamamos hoje de Ocidente. Em verdade, neste assunto talvez não importe tanto as "origens", senão aventar que, antes da memória, não existia tempo, não existia consciência, nem mesmo História. A realidade (natureza e cultura) como objeto de reflexão ou, se quiser, reflexividade, também não era possível de ser apreendida e transformada pelo homem em objeto de trabalho e aperfeiçoamento: reinava o acaso ou nem mesmo isso talvez. 
Vou parar por aqui, a proposição é pensar e, levando em (re)consideração a velha máxima "paulocoelhística" de que "o amor constrói" e que pode suplementar os afetos, a empatia pelas coisas e pessoas ou o tão importante reconhecimento e respeito às diferenças constitutivas. Não se trata apenas de abstração, mas de prática que auxiliada pela memória e suplementada pelo amor, pode orientar rumos outros, individuais e coletivos. Passo a bola...

                                                                                                                                                                Cleverson Fleming em 03/04/2014.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Essa minha confusão por você.

Oi, querido,

eu só queria, e preciso, expressar o que sinto...
Parece mesmo que eu tenho mania de confundir amizade e Amor sexual. Algumas pessoas vão entender muito bem do que falo. Mas, com toda a confusão, gosto de pensar que este impulso é sexual naquele sentido freudiano da sexualidade: uma energia que flui em todas as relações – algumas vezes realizada, outras sublimada e, na mais infeliz das vezes, reprimida.  
Se por um lado, deveria ser tão normal esse acontecimento – o de combinar amor e amizade -, por outro lado, nossa cultura nos interpela a sublimação do desejo carnal por aqueles que o amor nos trouxera primeiro em amizade. Em tal imposição descansa o medo. O medo de estragar o que é tão belo enquanto não se consuma.   
Não sei ainda a razão de canalizar meu afeto a você. Talvez seja esse seu jeito lindo de ser, de sorrir, sua altura e esse seu corpo esguio, a temperatura morna que sinto quando te abraço, sem falar também da inteligência emocional da qual você é possuidor – e com a qual me identifico. Minha paixão por você é um tanto narcísica. Sua sagacidade, seu lado negro, eu consigo vislumbrar. Mas sei também que este seu lado é uma casca: uma carapaça espinhosa que protege toda a beleza de um espírito sensível e doce.
Mesmo que seja por um momento, eu quero. Mesmo que doa agora saber que se possível talvez só aconteça uma vez. E se não acontecer, o que também é provável, peço mil perdões, pois sublimar não vou. Reprimir, jamais. Outro caminho seguirei, essa dor eu já conheço.
E você? O que conta dessa habilidade que você tem de sentir e saber? Só espero que não entenda isso como um jogo. A vida é tão única para darmos sequência a toda essa competitividade impelida pelo sistema a que estamos submetidos...
Vamos viver isso, mesmo que seja só uma vez? Mostra-me o que sabe? E não falo só de sexo, pois isso, eu sei que você já teve e terá muito melhor do que posso te dar e, quando digo isso, também me coloco no seu lugar.
Talvez seja só uma viagem da minha cabeça e do meu corpo confusos. Mas está aqui, o quê eu posso fazer? O que você fará com isso? O que faremos? No fundo sei que disso ficará o aprendizado, pois toda essa situação só me faz pensar que eu gostaria de ter te conhecido em outro momento, na verdade, num outro lugar...
Eu estarei aqui. E continuarei tirando casquinha de você. Se for incômodo, proteste! Eu adoro gente que reage.
Cordialmente,

                          Cleverson Fleming – 29/09/2015.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sobre a Afetividade

   A afetividade é o pilar da memória. Seja a memória histórica de nossa civilização, de nossa sociedade, do nosso povo, do nosso bairro, da nossa comunidade; ela começa no nosso apreço e apego emotivo  pelas coisas e pessoas ao nosso redor. É ser grato pelo que temos, vivemos e nos relacionamos nas nossas vidas. 
   Neste sentido, não é de se estranhar que ao estudarmos os pilares da civilização encontremos os clãs ou as famílias - sejam elas patri ou matrilineares - agindo como o sustentáculo-semente de nossas origens e instituições sociais. Mas, para além, dos laços consanguíneos, a estrutura que nos conserva e sustém - seja como pessoas, famílias, grupos de interesses, sociedades e como civilização -, é alimentada por sentimentos de solidariedade e afeto. 
   O afeto por algo nos faz querer conservar e manter vivo. Mesmo que tal objeto já não esteja mais ao alcance de nossos sentidos físicos. O instrumento para isso - o desejo de eternizar? A memória. E, esta, é evocada por símbolos. Durante toda história o homem cunhou símbolos para se recordar e conservar. Algum sábio, provavelmente de origem grega, disse uma vez: a palavra nos traz a presença. E que presença seria essa se não a imagem evocada pelas afetividades que mantemos em relação àquilo que desejamos presentificar? Aqui você, caríssim@ pode estar se perguntando: mas aonde você quer chegar, meu caro Fleming, com essa reflexão?
   Vos então responderei. É pelo simples desejo que tenho de retribuir a todos os afetos e importâncias que recebi na vida. Percebo que hoje, em alguns momentos em que falo de Amor, as pessoas ironizam e banalizam - ou se posicionam ceticamente numa posição de reação aos "paulocoelhismos" do amor. Como se o Amor também não precisasse do discurso e de sua prática. Ter afeto é lembrar: reforçar pelo trabalho a memória. E tudo isso é Amor!
    O tempo, como categoria e artifício psicológico, só é possível através da memória. É a partir do momento que os homens passam a conceituar a realidade, criando a memória das coisas, que eles passam a atribuir valores e medidas. Antes da memória não existia tempo, logo, não existia História. Por conseguinte, a realidade, como objeto da reflexão, também não era possível de ser apreendida e transformada pelo homem em objeto de trabalho e aperfeiçoamento: reinava o acaso - onde cronos devorava seus filhos divinos.     
   Não me estenderei, pois aqui a proposição é pensar! Levando em consideração esta reflexão, quem há de objetar a velha máxima "paulocoelhística" de que "o amor constrói" e que o afeto, a empatia pelas coisas e pessoas está na base de tudo? E com que argumentos? Fica para a reflexão.


                                                                                                                                                                Cleverson Fleming em 03/04/2014.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Dos verdadeiros progressistas...

"O verdadeiro impulso para o progresso é dado, naturalmente, pelos que sofrem e são oprimidos. São eles que mordidos pela miséria, de arranco em arranco, atiram a sociedade para diante (...) O caso dos raros progressistas e inovadores saídos das classes conservadoras não destrói a regra comum, porque, em verdade, é na classe dos oprimidos que eles se vêm amparar, quando, ou a ambição, ou mesmo, o altruísmo, os leva a lutar em prol da justiça" (Manoel Bomfim. América Latina, p. 359).
Citando o Mestre Manoel Bomfim, sobre o conservadorismo brasileiro

"A sociedade conserva-se, independentemente de qualquer esforço; conserva-se, pelo simples fato de que existe, por uma função inconsciente, reflexa, necessária a tudo que é (...) Há conservadores cujos esforços se dirigem no sentido, não de defender a sociedade contra supostas destruições impossíveis, mas de conservar para uma classe, para certos grupos, umas tantas vantagens, ligadas a abusos e iniquidades. Onde quer que surja a oposição conservadora, há um privilégio que se quer manter" (Manoel Bomfim, América Latina. P. 168,170 e 171).

domingo, 29 de janeiro de 2012

Fragmentos de uma guerra

"E chegou o momento em que se confrontaram: Lúcifer e o Grande Arquitetor. O grande cisma: Razão x Emoção, aquele velho conflito entre o que se pensa e o que se sente. Velhos Idealistas contra os não tão modernos Materialistas. Mas eis que ambos, de tantas investidas e lutas, acabaram por não resistir e caíram. Ao cair tocaram-se e ao absorverem as energias e propriedades um dos outros, cansaram-se dos velhos ranços e abraçaram-se. 
A energia que surgiu das duas grandes potências aqueceu e explodiu. Não eram mais como antes. O calor os uniu. Amaram-se. Mas das velhas formas, nada agora lembravam. Eram um só e muitos ao mesmo tempo. E o Amor expandiu o conhecimento, que agora pertencia a todos e sem nenhum utilitarismo. Era compartilhado e criado em comum.
Nunca mais se ouviu falar, naquela parte do universo, em uma guerra entre Impérios. Estes já não poderiam mais tomar forma, pois com os poderes distribuídos igualitariamente por todos e sem privilégios, a Paz conseguiu reinar: Essa era a Deusa encarregada de tomar corpo na nova estrutura que se levantava no agora.
Seu reinado se estendia a todos os territórios. A única coerção que existia era a lei maior do Amor e da Verdade (que para cada homem era a sua em união com a dos demais) que interiorizada em cada ser trazia a estabilidade daquele universo."  - Enfim, tenho que dormir! Já são 07h da manhã.
                                                     Cleverson Fleming (29/01/2012)

sábado, 29 de outubro de 2011

Tocando na Ferida...

Minha cabeça está a mil, não consigo parar de pensar. E imagino que o motivo disso deve ser a vontade de viver todas as possibilidades das quais sei que ainda podem existir neste mundo. Às vezes dou ataque de deprê, até chego dizer que quero “ir embora daqui” e deixar todo esse mundo louco pra traz. Essa semana mesmo, por exemplo, surtei. Na verdade, sei que estes momentos representam só uma forma que tenho de dizer pra mim mesmo (e para os outros!) o quanto quero viver ainda.


Viver sim, porque tem muito que se fazer ainda aqui! Olha quanta contradição, olha essa bagunça! Puta que pariu! E olha que ela ainda tentou abortar, mas o chá que tomou pra isso não funcionou pelo visto, agora o filho cresce nas ruas esperando que a sociedade termine o aborto. E essa sociedade somos nós! Enfim...


É preciso ter uma força de leão pra levantar todos os dias, ainda mais nestes dias. E só se conformar, “dando um jeitinho” e tocar a vida não rola – não dá! É cliché demais: além de sabermos que causa stress, dá infelicidade ou no máximo tédio! O conformismo só deixará essa bomba latente. Mesmo que seja preciso implodir ou explodir tudo de uma vez, é preciso fazer algo! O grito está na garganta entalado. E enquanto se segura para não gritar e ferir “ouvidos castos”, o grito não sai: mas ecoa e endurece a alma! Atitude blasé? Até quando? 
Até enlouquecer? Não precisa, já estamos loucos! Olhe à volta!


Mudar o mundo? Pra quê?! Se tenho onde dormir, o que comer, o que vestir, e o circo a minha disposição num clique de controle remoto ou do pc no facebook?


Ser superficial? Talvez!  Afasta a consciência da culpa. Pra quê sonhar, refletir ou questionar? Se afinal já temos o pão e o circo nosso de cada dia?


E ser profundo? É mais difícil! Pois dói: e como. É estar mexendo numa ferida que não cicatriza. E ela nos atordoa, pois, afinal, ela já faz parte da estrutura, não é mesmo? E então o que fazer? Fingir que ela não existe? Não caríssim@! Não dá. Sinto lhe informar: mas ela vai continuar ali. E quando estiver sozinh@ - você e seus pensamentos – ela volta a lhe dizer oi!

Viver é assim! É também saber assumir a bagagem que nos legaram sem nos perguntarem se a queríamos. Ou não, você tem direito de escolha! Tem liberdade! Será mesmo?


Penso que enquanto deixarmos a ferida escondida, ou a bagagem (como quiser!) guardada no fundo do guarda-roupa, estamos nos alienando e deixando de viver o que é nosso. É por isso que quero viver. Quero tentar dar conta dessa bagagem: cuidar dessa ferida que arde no meu sangue todos os dias. Pois ela me traz dor, confusão e muita instabilidade.


Contudo, ela também me traz a consciência de que estou vivo. Pois, ao afinal das contas, estou sentindo. E se é possível ter percepção ou agir no mundo, é porque também existem sentimentos no pacote.


Boa vida, boas dores, bons momentos e tristes também! O importante é fazer valer a pena não é mesmo?!


                     Cleverson Fleming (29/10/2011 – 04:45)